A BOMBA ATÔMICA DO ESPÍRITO SANTO
Um trama envolvendo negociações secretas, acordos internacionais,
disputas políticas, corrupção e exploração de trabalhadores liga o balneário de
Guarapari no Espírito Santo, ao programa de produção de armas nucleares do
Estados Unidos durante e depois da Segunda Guerra Mundial.
O pivô de tamanha disputa é
justamente o patrimônio que mais tarde deu fama à cidade de Guarapari por suas
propriedades medicinais: a areia monazítica, rica em elementos radioativos.
Essa areia abastecia as pesquisas de
projetos secretos criados pelo governo norte-americano para acelerar a produção
de bombas atômicas sobretudo no período da Guerra Fria. Existem documentos dos
governo brasileiro e norte-americano, pesquisas acadêmicas notícias de jornais
da época e fotografias de arquivos públicos, que comprovam o envio de areia
monazítica de Guarapari e outros municípios capixabas, do Rio de Janeiro e
Bahia para os EUA, além de França, Alemanha e Inglaterra, entre as décadas de
1890 e 1960.
Muitas vezes o envio era feito a
"Preço de Banana" ou de forma clandestina, declarada como areia comum
para preencher lastros dos navios.
Esse material, no entanto, é rico em Tório, elemento radioativo muito visado em dois
momentos da história: na fabricação de luminárias a gás, exportada para a
Europa a partir de 1890, e depois na indústria nuclear na década de 1940,
para desenvolvimento da bomba atômica.
Neste caso, o Tório virou alvo de cobiça internacional após a
descoberta de que poderia se produzido a partir de Urânio 233 (U-233), elemento
criado em laboratório e usado em reatores ou bombas atômicas.
Entre boatos e verdades, há
quem diga até que a areia monazítica de Guarapari foi usada para produção da
bomba de caiu sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945, matando cerca de
80 mil pessoas no episódio mais marcante da Segunda Guerra Mundial. Tal história
circulou por diversos jornais e permeou discursos a partir das investigações de
que centenas toneladas de areia monazítica sairiam do Espírito Santo de forma
clandestina durante décadas a fio.
Homens ficaram milionários com a exploração da areia capixaba, enquanto
que os operários que trabalhavam com ela sofriam com baixos salários e jornadas
exaustivas. Do outro lado do continente, esse areia alimentava a sedenta
indústria nuclear americana durante a Guerra Fria. Bombas de Urânio 233,
produzidas a partir do Tório extraído no Brasil, foram lançadas durante teste
em 1956, segundo os arquivos das forças armadas americanas.
Pelo ao menos 200 mil toneladas de areia e óxido de tório teriam
sidos retiradas de praias brasileiras em pouco mais de 50 anos .
Exportar areia ou enviar soldados para a guerra?
A partir da década de 40, acordos oficiais entre Brasil e Estados
Unidos consolidaram o que já era feito por empresas privadas sem qualquer
controle e fiscalização. O presidente Getúlio Vargas se comprometeu a enviar
areia monazítica brasileira aos americanos, a preços módicos, como parte da “política
da boa vizinhança” entre os dois países.
Parte da elite intelectual brasileira defendia que a matéria-prima
fosse mantida no país, e que fosse criada uma política nacional para
desenvolvimento da tecnologia nuclear, o que não avançou. Além disso, os EUA
não concordavam em compartilhar tecnologia e conhecimento atômico com o Brasil.
Isso acabou gerando um mal-estar político que culminou com a criação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI), em 1956, para investigar interesses brasileiros
em torno dos acordos com os EUA.
Em outras negociações, foram trocadas toneladas de areia por trigo
americano. Documentos mostram que o acordo favorecia somente a potência
americana. Em determinado momento, o Brasil foi forçado a decidir entre enviar
tropas aliadas para guerra da Coréia, em 1951, ou se comprometer a enviar mais
areia monazítica e outra “matéria-prima estratégicas” para os portos norte-
americanos. Parte da empresa da época, de forte apelo nacionalista, chegou a
tratar o assunto como um escândalo, com a pergunta “Areia ou carne para canhão?”.
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